Texto 2
Pássaros comem na mão
A minha dor eu sei resolver. Ainda que seja a custo alto, sei resolver. Pode ser com um calmante, um trabalho físico, um desabafo. Pode ser mexendo na horta, organizando as roupas no armário, limpando a casa, xingando Deus; eu sei resolver. Ainda que demore, resolvo.
O que não sei resolver é a dor do outro. Fico mudo, meu braço sobra, minha mão falta, minha boca treme algum vento sem força.
A dor do outro não se comunica. Nem dá nem tira emprego. A dor do outro me isola. Tendo uma brecha para falar, mas sinto-me intruso, incômodo, solteiro. Como uma casa em reforma.
Toda dor só é compreensível no idioma da dor. Quem está fora não entende, não tem razão, não alcança sentido. A dor não busca conselhos; a dor busca a pele para colocar por cima, busca cicatrizar a ferrugem e a maresia.
A dor do outro é pedalar com a respiração. Ela me desfalca, me devassa, me faz duvidar de que eu podia ter ouvido.
A dor do outro é a minha dor mais pessoal, porque é indiferente à minha própria dor.
A dor do outro é uma parada de ônibus sem ônibus por vir. Uma para de ônibus para se sentar e não ir.
A dor do outro fica no lugar da dor, não suporta um passo além do círculo de sua lembrança fixa.
A dor do outro tem a altura de um grito que não é dado para não desperdiçar a dor.
A dor do outro não ri, porque, séria, chega mais rápido ao seu fim.
A dor do outro não se empresta, é dor de osso, dor que não se enxerga de dia e nem de noite.
A dor do outro é neblina com roupa presa nos galhos.
A dor do outro é uma escada sem muretas, sem apoio. Uma escada desigual como a cintura ao dormir.
A dor do outro me esconde, me segrega, me empurra com os cotovelos para aonde eu não desejava voltar.
A dor do outro me pede ajuda para não ajudar. É severa como uma verdade antes da morte, severa como uma mentira depois da morte.
A dor do outro é banal, irrisória e tola para os que nunca mergulharam em dor.
A dor do outro é hipocondríaca e carente aos que nunca enterraram seus pés ao correr.
A dor do outro é discreta, pois os sons não se encontram na pronuncia.
A dor do outro tarda para retornar a ligação.
A dor do outro parafusa a lâmpada ao quebrá-la.
A dor do outro não usa agenda, não recorre ao diário; a dor do outro é escrita esquecida. Não se escreve na dor, escreve-se para manter distância dela.
A dor do outro não encontra dentes para mastigar. É mastigada com a língua.
A dor do outro não requer meteorologia; ela não se modifica.
A dor do outro é caseira, pois sair de casa é levar a casa.
A dor do outro é uma árvore ao avesso, uma alegria ao avesso, uma água que já estava na boca.
A minha dor eu resolvo. A dor do outro não sei aonde colocar, onde me colocar. Faço como minha avó Elisa. Quando alguém recusa um abraço, ela pedia para devolvê-lo.
Devolver o abraço é a dor do outro.
Texto retirado do livro- O amor esqueçe de começar de Fabrício Carpinejar...
Para os que lerem, a tarefa é simples... Sentir-se! Novamente sair de si para entender suas dores... Qual é a maior queixa que leva uma pessoa a procurar assistência médica? Pois digo, é a DOR... Pode ser a DOR de uma unha encravada até a DOR de uma perda... Seja a perda de um membro, como o pé de em um diabético até a DOR da perda de um ente querido... Vamos refletir sobre o tema acolhimento, como devemos proceder? Também encontro muitas dúvidas e poucas certezas sobre como acolher...
Proponho uma reflexão de no máximo 15 linhas sobre: O que você entende por acolhimento na Prática Médica?
"Solidão não é doença, é entendimento...(Fuzinatto)"
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